50% — Máfia dos Mendigos

Sara Sharon
10 min readJul 11, 2021

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“O pobre tem sido usado, não servido.”

Depois de ler muitas críticas sobre esse livro, tanto de pessoas que o leram, quanto de pessoas que não o leram (crítica profética?), tomei como desafio ler eu mesma e tirar minhas próprias conclusões quanto ao material e a visão que o Pr. Yago propõe. Li 50% do livro até agora mas tive que dar uma pausa pra por em dia outras leituras, mas não queria deixar de dar minha opinião até aqui sobre a proposta do livro.

Antes de começar preciso ressaltar que eu e o Pr. Yago temos visões diferentes no âmbito político, enquanto ele está na ala da direita conservadora e defende o liberalismo clássico, eu me encontro mais ao centro, um pouco mais progressista que conservadora (60/40 talvez?), e sou uma grande defensora do Estado-de-Bem-Estar. Fui liberada pelo próprio autor pra elogiar ou criticar o livro, e pretendo dar minha opinião sincera e pessoal. Então, vamos lá.

“Passei por dois conhecidos que não me reconheceram, e não reconheceram porque não olharam,”

O livro começa abordando muito bem como as pessoas em situação de rua são invisíveis aos olhos da sociedade, um “bom dia” é quase um balsamo pra uma alma desesperada que vive na rua. Talvez 10 pessoas em situação de rua e pobreza extrema cruzem nosso caminho diariamente sem que prestemos atenção.

“O que fazer, porém, quando souber que o homem sujo que o aborda por alguns trocados após supostamente vigiar seu carro foi professor de história por quatro anos? E quando descobrir que o idoso que carrega seus pertences sobre o ombro num saco de lixo já conheceu mais regiões do país que você? E as experiências acumuladas do aposentado que viveu uma vida social comum até os 70 anos e só foi parar na rua depois disso? E o desdentado que se formou em matemática? E o cabeludo com diploma de mestrado pela Universidade de Brasília? E o poeta escondido pela vasta barba e cabeleira? E se, no carrinho de comprar que ele empurra pelas ruas, existirem obras com seu nome? E se, ao negar a esmola, você percebesse que estava despachando seu desaparecido pai?”

Uma coisa que eu notei não só com esse livro, mas por viver boa parte da minha vida em uma área carente, é que o que o mendicante mais precisa, é o que menos temos dado: humanidade.

“A maior necessidade na rua não é dinheiro. Não é sopa. Não é roupa. É humanidade. E é isso que nossa caridade não está dando.”

Alguns meses atrás esse tweet apareceu na minha timeline, e acredito que ele não poderia resumir melhor o livro. Ao contrário do que muitos críticos proféticos insistem em dizer, a proposta do livro não é contra a caridade, e talvez o Yago enquanto direitista conservador tenha enxergado melhor as falhas desse sistema do que muitos da ala da esquerda.
A caridade é na verdade insuficiente em muitos aspectos, e assim como a Isa diz muito bem em seu tweet, é um dos muitos paliativos sociais que adotamos pra suprir uma necessidade, mas que deveria ser uma solução a curto/médio prazo em busca de uma solução definitiva a longo prazo, mas, assim como em outros paliativos sociais, nos encostamos e acomodamos nesse.

Se você leu o livro, sabe como o Yago mostra uma realidade das ruas que muitos desconhecem e muitos outros ignoram, que é a de mendicantes em situação de rua por escolha própria. As motivações são as mais variadas, um exemplo que o Yago da em seu livro e que descobriu e conheceu de perto durante sua pesquisa de campo, é de um segurança noturno que em alguns dias da semana, combinava com sua esposa de juntamente com os necessitados, aguardarem na rua, com roupas surradas e velhas, pelo sopão que a Igreja Católica da. Eu mesma me deparei com uma situação semelhante mais ou menos dois anos atrás numa ação evangelística, quando conheci um senhor que estava limpo, oferecemos comida mas ele recusou, dizendo que estava bem alimentado pois sabia onde encontrar comida, onde tomar banho e onde dormir, mesmo assim questionamos que situação difícil ele teria passado pra estar nas ruas, e o motivo era um dos mais simplórios da depravação humana: orgulho.

Existem dois tipos de mendicantes nas ruas, os perdidos e os cretinos; os que destruíram vidas e os que tiveram suas vidas destruídas, as vezes ambos; assassinos e assassinados; assaltantes e assaltados; vítimas e vilões.

“O morador de rua não está carente de roupa. De uma forma ou de outra, ele se veste. A caridade sempre presente dos indivíduos que se condoem com a situação do miserável mostra que resta bondade na natureza humana. Se pararem de fazê-la, a situação piora. A questão não está em pararmos de vestir quem vive em situação de rua, mas em aprofundar nossa caridade lidando tanto com o corpo quanto com o coração. É vestir a alma. Pano não falta. Graças à caridade, ninguém está de fato nu, mas seria um ato muito maior de humanidade se trabalhássemos de forma mais individualizada, mais humanizada.”

Um ponto que talvez você meu amigo de esquerda que leu, tenha tomado como ofensa pessoal é quando o Yago aponta, das págs 12 até a 19, como o pobre e a pobreza se tornou um monopólio para a esquerda. Como uma pessoa que esteve, por 23 anos, do lado do pobre, vivendo as mesmas dores e dificuldade que muitos miseráveis, eu sou obrigada a concordar.

“Há quem lute para que o pobre tenha voz, desde que possa ser o rosto a falar por eles. Mas, ainda que o pobre tenha sido usado por gente das mais variadas visões políticas, é notório que hoje, no Brasil, ele tem dono. As esquerdas, mais que todos os outros movimentos ideológicos, monopolizaram o discurso público pelo pobre e possuem uma crença profunda de que só elas realmente se importam com quem vive na miséria.”

Um exemplo recente disso é da chacina que aconteceu no Jacarezinho, gerou uma revolta e comoção geral, mas assim como nas outras vezes, quem mais foi ouvido e aplaudido na crítica a violência nas favelas, foram pessoas e perfis que não conhecem a realidade de uma favela, nem nunca pisou em uma. Talvez seja difícil pra você de esquerda que está lendo isso, ou que leu o livro, entender essa questão, mas ela tem um fundo de verdade. Já tem anos que muitos pobres tem tentado falar, gritar suas dores e explanar a desigualdade em que ele foi fadado a viver, mas parece que ele só é ouvido se alguém o deixa ser ouvido. Caso contrário, sempre tem alguém que fale por ele. É um sentimento desesperador de indisposição, como se toda vez que tentemos ser ouvidos, a nossa voz volta vazia. A esquerda, mais do que ninguém, veementemente se intitula a única que se importa com as causas sociais, com os pobres, com os miseráveis, e talvez seja por isso que é tão fácil ser a voz e o rosto deles.

Mas, quero acrescentar que, na minha opinião, parte desse comportamento da esquerda parte da omissão da direita. Enxergo muito bem que a esquerda mais se empenha em ajudar os miseráveis, mas sua ideologia os cega algumas vezes pra algumas realidade que talvez somente a direita tem visto, mas pouco tem feito. Enquanto o Yago aponta a falha grotesca na esquerda brasileira, quero, com esse pequeno texto apontar a contribuição direta da direita, pra que essa falha exista.

“A luta pelo pobre é um ótimo espaço para corrupções e desvios.”

Depois de apontar tais problemas, o Yago, como um liberal clássico trás uma solução totalmente liberal pra esse problema e aponta a ineficiência do Estado, e nessa parte em questão que minha opinião diverge quase que totalmente da do Yago. Entendo a crítica dele a corrupção, falha e desvios do Sistema Público de Saúde, das Escolas Públicas e de todo sistema do Estado-de-Bem-Estar, mas discordo completamente da ideia de que a única solução eficaz, seria uma solução liberal.

Mesmo com todos os problemas que o SUS tenha, ele ainda é eficiente e alcança pessoas muito a margem da sociedade, com socorro que está muito além do que os bolsos pobres nesse mar de desigualdade poderiam pagar em um hospital privado. Acho a solução privada muito irreal e utópica pra um país como o Brasil.

É inegável que existam muitos serviços voltados à população em situação de rua, como cursos, abrigos, empregos, documentos e etc. O livro aponta as falhas de aproveitadores que surrupiam oportunidades das mãos de quem realmente precisa, mas afinal, tudo não está sujeito a isso? Igrejas, ONG’s…
Aproveitadores que tomam pra si um auxílio que ele não necessita não é um argumento forte e plausível o suficiente pra inutilizar todo o sistema construído para dar suporte ao necessitado.

Talvez o Estado seja realmente uma ajuda ineficiente, mas não significa que devemos acabar com tal ajuda simplesmente porque iniciativas privadas dão mais resultado. Imagine que uma igreja sede implantou duas filiais em bairros distintos, uma adotou uma conduta cultural condizente com o seu ambiente e tem tido ótimos resultados na influência social naquela comunidade local, enquanto a outra que manteve a tradição a risca da Igreja Sede, sem se preocupar com o peso cultural em que a Igreja está inserida, não obteve o impacto desejado e tem se tornado cada vez mais distante da comunidade local, a solução ideal seria simplesmente fechar essa igreja e focar somente na que dá melhores resultados?
Acho que a solução mais adequada nesse caso seria reformular a igreja “doente” pra que ela seja eficiente e una com a comunidade local, da mesma forma são as iniciativas do Estado-de-Bem-Estar, que na minha opinião contém muitas falhas, mas nenhuma que justifique o abandono imediato de suas atividades, uma reformulação desse sistema talvez impactaria e alcançaria muito mais pessoas que a iniciativa privada. Além disso, esse sistema quebrado e falho poder ser a diferença entre a vida e a morte para muitos necessitados.

“Só podemos modificar a realidade das ruas ao tratar cada morador de rua como indivíduo.”

Somente com a verdadeira prática da Equidade, que não trata os seres como homogêneos, mas como indivíduos com características e necessidades diferentes, é que alcançaremos uma solução eficaz contra a miséria.

Assim como Cristo trata em nós e nos dá aquilo que necessitamos, e não aquilo que pedimos, devemos ser pequenos cristos nessa sociedade corrompida que vivemos, mas pra que isso aconteça, é necessário que conheçamos o mendicante, assim como Cristo nos conhece tão bem a ponto de ver oque precisamos antes mesmos de nós vermos que precisamos, temos que ser agentes transformadores e intencionais, que busca conhecer a necessidade real do mendicante, e não o trata apenas como mais um que se satisfaz com um cobertor velho.

Ao invés de darmos uma quentinha pra alguém que passa fome, vamos sentar com ele pra comer. Ao invés de apenas falar que Jesus o ama, mostre o amor de Cristo com um abraço apertado, mesmo que ele esteja sujo e com mau cheiro. Além de caridade, oque a rua precisa é de humanidade, e cabe a nós suprir essa necessidade urgente.

E mais uma vez o Yago acerta em dizer:

“Que diferença seria se protestantes históricos estivessem mais presentes nas praças e vielas…”

É uma crítica constante que abordo sempre que posso no meu perfil do twitter. Muito se vê por ai críticas a teologia pentecostal, hoje as mesmas críticas caem também em muitos carismáticos, como os batistas, outras críticas e essas mais numerosas e com sua devida razão é direcionada a teologia neopentecostal que mais se faz presente nessas áreas de pobreza e miséria.

Enquanto muitos dos meus irmãos reformados insistem em criticar a conduta e a hermenêutica pentecostal que busca com mais força e urgência atender esses necessitados, pouco empenho se vê desse mesmo grupo em atender os menos favorecidos. Claro que há igrejas reformadas e históricas presentes em bairros mais pobres e periféricos, mas não chegam nem perto de se esforçar em compartilhar a palavra e o bom evangelho como nossos irmãos pentecostais.

Digo com bastante convicção que boa parte da disseminação de um evangelho ruim, mentiroso e prejudicial pregado por algumas visões doutrinárias por ai, mas que alcança os mais pobres e miseráveis, se dá pela omissão e indisposição dos meus irmãos reformados em pregar uma verdade contextualizada pra esse povo que precisa ouvi-la.

E aqui, pra finalizar essa linha argumentativa, quero sugerir a qualquer reformado que esteja lendo esse texto, a ler Igreja Centrada, Tim Keller, acredito que será muito proveitoso pra entender melhor a importância de se inserir e saber se comunicar com esse povo que precisa ouvir a verdade do evangelho.

E assim como o Yago, eu reconheço e concordo que, nossos irmãos reformados fariam uma enorme diferença se tomassem como exemplo prático nossos irmãos pentecostais nas obras sociais e seguissem esse modelo. Sei que seria muito oportuno e proveitoso a atuação de vocês nesse campo missionário.

Se você é de direita: leia esse livro.
Se você é de esquerda: leia esse livro.
Se você é progressista: leia esse livro.
Se você é conservador: leia esse livro.

Mas leia com um olhar crítico, não espere uma defesa a ideologia que você defende, pelo contrário, leia sabendo que muito provavelmente sua visão de mundo será confrontada. Provavelmente você não vai gostar, mas acredito que não da pra formar uma opinião sensata e centrada se consumirmos somente conteúdo daqueles que pensam como nós.

Eu mesma não concordei com metade do que li, e isso porque só li 50% do livro, mesmo assim foi proveitoso pra minha linha de pensamento hoje.

Dedico essa resenha ao meu amigo Bruno Ribeiro, sei que você estava ansioso pra saber a minha opinião sobre o livro, infelizmente não terminei a resenha a tempo de você ler. Em breve nos encontraremos no Eterno. Saudades meu amigo.

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Sara Sharon

tô aqui pra falar abobrinha, mas as vezes algo sério também.